As portas da 'taberna texana' estavam abertas. Tão abertas que as portas não eram mais portas, e a privacidade de seus freqüentadores era um espelho ampliado para fora. Vallahaba mostrava ao mundo: estava bebendo. Seu copo não era pouco cheio, aquela cerveja quente completava todos os espaços que podia em qualquer frasco, até que ele empinasse com toda empolgação o gole mais odisséico que a sua garganta já tinha presenciado. Seus sapatos ansiavam a sua vontade de mostrar que subiu. Subia em cima dos outros e ia além da sua cultura. O preconceito consigo mesmo fazia-o amar o que estava fazendo. Aquele momento é especial. Todo aquele deserto que era o invólucro daquele bar danado, para ele não era mais nada. Aquelas roupas, panos na cabeça, gente toda vestida, e um sol rachando. O solo é o chão seco, vermelho, nem formiga se agrada. Aquele monte de gente se amontoava. A pele queimada do sol, a cara que expressa o sofrimento não refletido, e um sorriso branco, com todo aquele monte de pelos nas sobrancelhas, que se uniam, faziam da simpatia o próprio corpo. Gente se ajoelhando pra todo lado, e um monte de merda de vaca enfeitavam todo aquele ambiente, que parecia o mausoléu do elefante mais venerado da Índia. Imaginem se aquele elefante tão concentrado no seu próprio voar com as pernas, pernas que se quer são partes de um elefante, iria pensar em varrer o pátio. Era assim que um indiano se projetava.
Um indiano que varria a calçada do Dr Dornelles, calçada esta sequer tinha calçamento. Seus pés descalços mostravam a sua posição fixa na sociedade indiana: pobre. Só lhe era permitido usar panos laranjas, e cor marrom claro nas épocas fúnebres. Nos dias escolhidos pelo líder espiritual dos pobres, eles deviam honrar seus deuses esfregando a língua no chão por uma tarde inteira, de cuecas e sandálias leves. Nos dias de honrarias era tradicional o chute ao pobre, e claro, Vallahaba ('pituca de rato', em indiano, mas que no misticismo significava 'luz verde do entardecer de Kohmou') tinha que se deitar de quatro e se submeter a diversos chutes no estômago. Era este o presente do seu Deus. Essa é a Índia não-hindu, que a televisão não mostra! Pobre Vallahaba.
Mas este momento era todo seu. Chegam seus amigos no bar. As cartas. Botas de cano baixo, e as camisas xadrezes, com exceto do sir Leonel Murray, que vestia uma camiseta com o retrato de um touro tão bravo que era quase um bode. As cartas foram dadas. Vallahaba agora suava. Escondia toda sua insegurança no copo de uísque. Um tapa por baixo da mesa e Murray bate jogo. As cartas dadas novamente. Vallahaba já tinha perdido metade do dinheiro que levara, e ainda tinha que pagar a conta do bar. Mais um jogo. Uma piscada de olhos, quatro cervejas e dois uísques. Dessa vez ele pensou que iria se dar bem. Mas aquela camiseta do touro dava sorte mesmo. Murray dá uma cusparada no chão de madeira podre, indicando que havia batido mais uma vez. Vallahaba perdera todo seu dinheiro. Na hora de pagar o bar, teve que pedir para pendurar. O dono do bar agradece sua presença ilustre, e anota na conta, descontando cinco cervejas.
- Isso é porque admiro muito o seu jogo.- Dizia o barman.
Vallahaba sai na rua. Um sorriso branco, sol escaldante refletindo um brilho cruzado no seu dente da frente. Cinco garotas passam por ele e mostram o rosto, com um sorriso tímido. Ele pára, dá quatro autógrafos. Como era bom ascender de posição social, e largar todos aqueles rituais. Pisava com tudo no que pensava que era o lixo da sua cultura, e assumia o máximo que podia sua situação ocidental. Um carro lhe esperava, e para dentro ele escolhe a tanga que quer levar. Sabia que iria despir uma indiana.
Nada como ser um jogador de futebol.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
O jogador indiano
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Um comentário:
hohoho, bom, bom, indiano
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