quarta-feira, 4 de julho de 2018

A implosão de Eldorado no século XXI

Aqueles prédios grandes, sinal de um futuro que não veio, davam um ar sombrio à cidade de Eldorado. Entre os escombros do presente-passado e o presente dos futuros escombros, lia-se o artigo do arquiteto Cláudio Amorim, no jornal Panfleto de Eldorado:

"[...] a arquitetura não pode ser política. Não me refiro apenas à estética. Devemos acabar com a arquitetura socialista - não foi para isso que a arquitetura foi feita. A distribuição de renda gera o paternalismo na arquitetura, e não cabe ao governo determinar como serão os espaços e as moradias, muito menos a estrutura urbana na cidade. A intervenção gera anomalias e recessão nos investimentos da liberdade arquitetônica. Como se vê, as indicações políticas fizeram ruir os prédios do modelo falido, da Ottosbresch, passando pela Carneiro-Ferreira, à OAC. O tropologismo de Galeano Ventoso estragou Eladorado. Isso é o que acontece quando a arte apoia o comunismo. A arquitetura não é arte e não deve ter finalidades estéticas. A arquitetura não deve ter interferência política."

Paulo encontra um notebook no meio dos escombros, diante de um horizonte de prédios com fachadas luminosas e ostentosas - aqueles que ainda sobravam. O computador estava próximo, mas inalcançável, pois o fio que o ligava à tomada não podia mais ser puxado (vinha de longe para estar ali na sua frente, entre os escombros). O exato ponto em que se encontrava era um pouco além de onde Paulo podia ir - era um ponto impossível. Paulo queria enviar uma resposta à Amorim, lhe dizer que não há arquitetura que não seja política - toda escolha arquitetônica é uma escolha política. Gostaria de criticar o livre-arquitetismo de Amorim, ao mesmo tempo que pretendia denunciar a frieza estética e o descaso arquitetônico do programa "Sua Casa Meio Cinza". A cidade deveria ser pensada pelas pessoas e para as pessoas!

Diante de si, ao lado do computador, encontrava-se o próprio Cláudio Amorim, preparando um novo prédio que ocuparia o lugar dos escombros. Poderia dizer-lhe tudo que pretendia escrever, mas assim como o computador encontrava-se ao mesmo tempo próximo e em um ponto impossível, Amorim estava logo ali, ontologicamente incomunicável.

Ao fundo, tocava uma música que era uma mistura de "O estrangeiro" com "Beleza Pura", do cantor tropologista. Quando Paulo mira o horizonte, um dos grandes prédios é implodido, e assim um por um. Implode o horizonte. Percebe que a cidade será toda demolida, ao mesmo tempo que a presença de Amorim sinaliza uma nova construção. Paulo alcança neste momento o paradoxo do gozo irônico da destruição e a dissolução terrível de seu ser diante do medo do futuro.