terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Nós, os homens

Nós, os homens, quando sozinhos
sofremos de solidão;
quando odiados
sofremos perseguição.

Nós, os homens, quando amarrados
sofremos de tensão;
quando mal-amados
sofremos o augúrio do coração

quando bem bolamos,
sabendo tudo que conquistamos
as esperanças que destilamos,
então tudo alcançamos.

Mas, ah! Tem na visão do destino
o seu canto de escuridão;
a melodia confusa alardindo
a desordem da tentação.

Nós, homens, quando vazios
sofremos o tédio
e quando desejamos o que não desejaríamos
somos levados pelo furor do assédio.

Nós homens
sofremos tristezas
sofremos remorso
sofremos ansiedade.

Eu, homem, sofro de humanidade.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Interlúdio apagado

Eu sou o pó atrás das nuvens
a margem negra do espelho dos homens
Mórbida mordaça que cala o tempo
Estúpida carcassa jogada ao vento

Eu sou o que vem depois da virtude
a mancha apagada na cicatriz do vício
A imagem opaca do cego que crê
estar tonto demais para ver

Estontiante ternura amassada no contraponto do elegante e do vil
escondinda fragrância do desdentado que sorriu

Já fui!
A vida atravessa a alma e crava a angústia da pequenez.
Ó todas as coisas,
o que fui eu?

Maldita estaca que me rebaixa
estou além do tempo perdido
enquanto a órbita se encaixa
e a vida aparece como um morto adormecido.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

confissões - 3

Tenho um corte profundo que não consegue cicatrizar
cuidando dele ou esquecendo pra que cure sem perceber
tentei caminhar derramando sangue sem o ver
e fica banhado o caminho por onde eu passo

Foi o fio de uma folha que fez crescer
foi o espinho de uma rosa que fez doer.

A dor não se apaga
a dor não se ignora
da dor não se foge
é ela que deve ir embora

Mexer no jardim é sempre um problema.
Arranquei todas as rosas dali
mas no mesmo lugar elas voltam.

Tirar seus espinhos: eis o que nunca pude fazer.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Burocracia

Quatro versos de quatro linhas.
Três versos e um refrão
se for música para rádio.

Acordar cedo, tomar banho e café
estar disposto a trabalhar
e todo meio-dia engolir o feijão.

Encontrar um grande amor
promessas para ela e para si mesmo
Dois filhos e um apartamento com sacada

Casamento; panela e fogão no enxoval
festa e amigos bêbados
Por pouco ainda solteiros

Crescer na vida é ganhar dinheiro
comprar um carro
se mostrar a todos sem desespero

Os filhos crescem
As mentiras das mulheres aparecem
Os sonhos somem
os dentes caem

E no fim paga-se a taxa,
com juros,
do buraco e do caixão.

sábado, 11 de outubro de 2008

A voz do síndico

Toca a campainha. Antônio estava em casa tirando seu dia de folga. Levanta-se da cadeira, usava pantufas e jeans velho. Abre a porta. Seus olhos visualizam luz e sombra, sua mente rapidamente faz a imagem tomar uma forma geométrica tridimensional. Sua imaginação delimita aonde um objeto termina e outro começa. Aplica então as categorias do entendimento a todas as suas percepções. A memória vai ao baú encontrar o nome que identifica o conceito. E tudo isso em poucos milisegundos.

Era o síndico.


-Olá rapaz... então hoje está de folga?

-Poisé...- mal Antônio acaba de responder o síndico se atravessa.

-Pois a vizinha havia me dito. Vim apenas lhe fazer algumas ressalvas. Sabe como é, não gosto muito disso, mas é meu trabalho, afinal sou síndico do universo...

- Sei...

-Pois então, hoje é terça-feira, e recém são nove e meia da manhã. Você tem seu dia de folga. Aproveite o almoço, pense em almoçar em algum restaurante. Enquanto isso você pode aproveitar para ir ao mercado ou à feira. Mas claro, almoce meio-dia. Mas não pense em aproveitar muito o dia. Não vá muito longe, depois terá que voltar para casa. Não faça nenhuma atividade pública durante o dia, afinal, hoje é terça-feira e todos estão trabalhando. Por isso é uma boa aproveitar o almoço em um restaurante. Lá é dos poucos lugares que você poderá gozar de seu ócio sem causar insulto a quem está trabalhando. À tarde também não vá muito longe. Se for para uma praça, vá apenas depois das dezoito horas, pois antes disto as praças devem estar desativadas para os não-cachorros e os não-mendigos. As pessoas trabalham. Então, aproveite a tarde para ficar em casa. Veja que coisa boa! Você tem o seu apartamento. Cada um deve admirar a sua cela, deixe bonitas todas as suas grades e aproveite todos os seus metros cúbicos. Contemple todo o nosso sedentarismo. Se sentir-se sozinho, compre um cachorro, mas deixe-o trancado em casa, saia com ele apenas ao fim da tarde, caso ele queira defecar em público. Afinal, estamos no asfalto e no cimento, e aonde há isto o dono é o homem.

E prosseguiu o síndico do universo:

-Ao fim da tarde você pode comprar uma pipoca e ver um filme. Mas não sinta-se bem: o seu dever é ficar preocupado, amanhã e todo o resto da sua vida você tem que trabalhar e apodrecer. Se pensar em sair, espere a noite. Desde que fabricamos lâmpadas que usamos apenas a noite para entretenimento social. Nunca aproveite o dia, pois é hora de trabalhar. Quando sair, beba álcool, assim você pode fingir no outro dia que só não sentia-se culpado (por não estar sentindo-se culpado) por causa da bebida. Fale qualquer coisa com qualquer pessoa. Aja como um imbecil, mas apenas depois da terceira cerveja.
-Ok...-responde Antônio
-Ah, só mais uma coisa. Não faça barulho depois das vinte e duas horas, nem chegue tarde, amanhã todos temos que trabalhar.

Vai embora o síndico. Depois disto, introspectivamente mas sem muita atenção, Antônio descobre que pode ao menos ultrapassar os limites do mundo sensível: seguindo a rígida coleira do seu imperativo categórico goza de autonomia e liberdade. Ele é sujeito de seu tempo. Século XXI. Senta-se na frente da TV, e aproveita seu dia de folga como um imbecil.

sábado, 20 de setembro de 2008

Por entre o véu do teu conceito

Penetrando a fundo no conceito
da imagem empírica que me chama
a analisar silogismos sensuais
e desvendar os argumentos do teu desejo.

Procuro por dentre o teu conceito
todos os componentes
e estes que enquanto tais
vão tomando meu lugar.

Como pode um si mesmo
se colocar num conceito?
Pensar em ti é me auto-conceituar.
Me decifrar faz parte de te contemplar.

Mas dos mistérios que desvendo por trás do teu véu
e por dentre todos que ainda poderia esclarecer
encontro um negro horizonte
que sempre vai se esconder

Elemento irredutível aos conceitos do coração.
Encontro no fundo do meu próprio querer
teu elemento incondicionado, meu mundo desconhecido:
Tua alma, elemento indecifrável.

Pelos teus olhos

Pelos teus olhos eu queria me enxergar.
Límpido espelho de tangentes do meu amor
ótica bandida da carne viva do meu querer

Enxergar em ti teus olhos e teu pensar
Enxugar pelo teu colo a minha dor
e deitar no solo do teu ser

Ser por ti perdido aspirante
de uma vontade bajulante
em imagem viva que condensa
as memórias mortas de meu sofrer

E nem a distância de não te saber
e nem os erros do que já foi
vão me fazer desistir

De tentar no fundo dos teus olhos
me ver.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Confissoes - 2

Entrego-te meus olhos tristes
e pergunto como tu os molda.
Traga de novo uma esperança falida,
no momento que ela viver, não vai doer.

Traga desde o início um sorriso forte
Enquanto eu de tanto morno
me esquento abruptamente em um espasmo
ao me frontar com algo que não subtrai-se ao meio termo

Aquele sorriso, que nunca vi em lágrimas
a todo instante me lacrimeja
mas ainda assim me parecia indiferença
porque morno, nunca pensaria que podia ser por mim.

Morno, solto os cadarços e vou embora
mas tonto, desde aquele ponto

Agora nos tropeços.
Indo adiante.
Me permaneço
em tua sombra.

sábado, 2 de agosto de 2008

O seu Sérgio

Matilde cortava o tomate, a cebola e o pimentão. Ferviam na panela os aromas de caldo e molho. Enquanto cozinha, Matilde não pára um segundo de jogar sua ansiedade pela boca.

- Viste que o filho da Elvira se formou. Aquele menino sempre teve jeito de doutor. Já a Denise, filha da Claudete e do seu Perera, aquela tem jeito de modelo, mas é meio vagabunda. Mas quem diria, o menino guloso do Henrique, vai casar com a Fernanda!

Sérgio lia o mesmo jornal de todos os dias sentado na poltrona da sala. Com um pouco de irritação solta seus verbos pela primeira vez no dia.

-Matilde, eu já disse: todo mundo é poeta.

notícias literárias - 1

Antônio Junqueira Pires Peixoto. Um brasileiro comum.

Foi pego nú no ambiente de trabalho.

escrevedor

O escrevedor e seus fonemas
escreve o lápis e tripida com as penas

O escrevedor e seu silêncio tenebroso
Ferve versos e soa pomposo
Serve os traços e imita o poço
miraculoso e tardio escreve-moço

Ouve vozes do além e escreve estradas silábicas
e no calor resbaldante escreve versos de verão

Per-so...nificado em todos nificado.
Atado e perdido no próprio
...significado

escrevedor escreve
o ser-ninificado

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Em ti

Caminho pelas ruas
e me toca o vento
com jeito do teu assopro

Olho no espelho
e os reflexos da luz
me tendem aos teus olhos

Tento dormir de noite
e dia ou noite
te acordo dos meus sonhos

E o cobertor que não me esquenta
só satisfaz quando nele eu transformo
cada pedaço no teu abraço

Mas em ti não sei o que se passa
Em ti não sei se meu laço te amordaça

Em ti não sei que gosto tenho
e a curiosidade de saber se existo em ti
ou se sem ti prevalece o que senti

Ah! Que vontade de morar em ti
Porque é o único lugar que não te encontro

sexta-feira, 18 de julho de 2008

O jogador indiano

As portas da 'taberna texana' estavam abertas. Tão abertas que as portas não eram mais portas, e a privacidade de seus freqüentadores era um espelho ampliado para fora. Vallahaba mostrava ao mundo: estava bebendo. Seu copo não era pouco cheio, aquela cerveja quente completava todos os espaços que podia em qualquer frasco, até que ele empinasse com toda empolgação o gole mais odisséico que a sua garganta já tinha presenciado. Seus sapatos ansiavam a sua vontade de mostrar que subiu. Subia em cima dos outros e ia além da sua cultura. O preconceito consigo mesmo fazia-o amar o que estava fazendo. Aquele momento é especial. Todo aquele deserto que era o invólucro daquele bar danado, para ele não era mais nada. Aquelas roupas, panos na cabeça, gente toda vestida, e um sol rachando. O solo é o chão seco, vermelho, nem formiga se agrada. Aquele monte de gente se amontoava. A pele queimada do sol, a cara que expressa o sofrimento não refletido, e um sorriso branco, com todo aquele monte de pelos nas sobrancelhas, que se uniam, faziam da simpatia o próprio corpo. Gente se ajoelhando pra todo lado, e um monte de merda de vaca enfeitavam todo aquele ambiente, que parecia o mausoléu do elefante mais venerado da Índia. Imaginem se aquele elefante tão concentrado no seu próprio voar com as pernas, pernas que se quer são partes de um elefante, iria pensar em varrer o pátio. Era assim que um indiano se projetava.

Um indiano que varria a calçada do Dr Dornelles, calçada esta sequer tinha calçamento. Seus pés descalços mostravam a sua posição fixa na sociedade indiana: pobre. Só lhe era permitido usar panos laranjas, e cor marrom claro nas épocas fúnebres. Nos dias escolhidos pelo líder espiritual dos pobres, eles deviam honrar seus deuses esfregando a língua no chão por uma tarde inteira, de cuecas e sandálias leves. Nos dias de honrarias era tradicional o chute ao pobre, e claro, Vallahaba ('pituca de rato', em indiano, mas que no misticismo significava 'luz verde do entardecer de Kohmou') tinha que se deitar de quatro e se submeter a diversos chutes no estômago. Era este o presente do seu Deus. Essa é a Índia não-hindu, que a televisão não mostra! Pobre Vallahaba.

Mas este momento era todo seu. Chegam seus amigos no bar. As cartas. Botas de cano baixo, e as camisas xadrezes, com exceto do sir Leonel Murray, que vestia uma camiseta com o retrato de um touro tão bravo que era quase um bode. As cartas foram dadas. Vallahaba agora suava. Escondia toda sua insegurança no copo de uísque. Um tapa por baixo da mesa e Murray bate jogo. As cartas dadas novamente. Vallahaba já tinha perdido metade do dinheiro que levara, e ainda tinha que pagar a conta do bar. Mais um jogo. Uma piscada de olhos, quatro cervejas e dois uísques. Dessa vez ele pensou que iria se dar bem. Mas aquela camiseta do touro dava sorte mesmo. Murray dá uma cusparada no chão de madeira podre, indicando que havia batido mais uma vez. Vallahaba perdera todo seu dinheiro. Na hora de pagar o bar, teve que pedir para pendurar. O dono do bar agradece sua presença ilustre, e anota na conta, descontando cinco cervejas.
- Isso é porque admiro muito o seu jogo.- Dizia o barman.

Vallahaba sai na rua. Um sorriso branco, sol escaldante refletindo um brilho cruzado no seu dente da frente. Cinco garotas passam por ele e mostram o rosto, com um sorriso tímido. Ele pára, dá quatro autógrafos. Como era bom ascender de posição social, e largar todos aqueles rituais. Pisava com tudo no que pensava que era o lixo da sua cultura, e assumia o máximo que podia sua situação ocidental. Um carro lhe esperava, e para dentro ele escolhe a tanga que quer levar. Sabia que iria despir uma indiana.

Nada como ser um jogador de futebol.

domingo, 13 de julho de 2008

Algumas considerações isoladas

A perfeição toda é sempre igual, mas a imperfeição tem todas as formas de singularidade.

Toda busca da verdade não encontra a vida. Só o que comporta em si toda imperfeição, fraqueza, e tudo mais que faz parte da parte mais singela humana, garantindo a singularidade de todo momento ingênuo, pode se dizer parte da vida. Pretender petrificar uma realidade perfeita é pretensão de acabar com a vida, que se move de acordo com suas próprias contingências. Aceitar os erros, e neles buscar o melhor, observar toda a beleza da frustração humana de tentar sem conseguir, sem pensar em desistir, é amar a humanidade. Amar a humanidade é por-se a si como vida, como amplos braços que transcendem o próprio egocentrismo.

Pobre da ciência, pobre da disciplina, dos obedientes e dos não-carentes; que sozinhos, não valem nada. Quando os homens se enganam, e se arrependem, e de tropeço em tropeço buscam o melhor, eles se diluem no póprio mundo. Frustração - essa é a única forma de existir.

sábado, 12 de julho de 2008

Uma máscara

Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.
Parte para mais um dia. Acorda. trabalha. almoça. trabalha. toma banho. janta. dorme.

Um dia resolveu passear. Tomou banho. Colocou uma roupa nova. Perfume. Veste a máscara, e sai pela porta, deixando sua existência esperando em casa.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

3ª pessoa do sempre singular

Quem diria! Eu, logo eu, que pensava sempre em você! Um bosque lindo de águas limpas, dias claros de ventos calmos, um gostoso cheiro de te pincelar entre a primeira e a segunda pessoa no singular. Mas ao imaginar eu e tu, era tudo tão plural.

Mas quem diria! Que um dia alguém pudesse se somar, e na realidade um terceiro eu me transformar. Eu que não sou você, Eu que não sou mais Eu, era Você e um outro Eu, e quem pude me tornar?
Ele... cada vez mais singular.

sábado, 14 de junho de 2008

Uma pequena estrela

Carlos queria ser famoso. Queria ser reconhecido não sabe pelo que. Queria a idolatria da televisão, das fotos,dos outdoors, queria ser o desejo adolescente, a inveja maldizente dos velhos rabugentos que reclamam da vulgaridade do tempo em que já estão mortos. Carlos fazia de tudo pra virar notícia. Ser famoso, conhecido. Mas nem sabe pelo que. Carlos mostrava a bunda, dizia palavrões em ocasiões inusitadas, fazia protestos, era simpático, revoltado, um forçado.

Passou na rua imaginando como seria sua entrevista em um programa de culinária. Todas as coisas que diria, o que ele comia, o que fazia, quem ele pegava. Atravessando a rua seu sonho se realiza.

No outro dia, numa capa de Jornal:

"Homem é atropelado por caminhão de lixo ao atravessar a Rua Das Oliveiras


Carlos Peixoto Andrade foi atropelado na noite de ontem pelo caminhão de lixo em um trecho mal iluminado da Rua das Oliveiras. Carlos bateu forte a cabeça e quebrou as duas pernas. Foi vivo para o hospital mas não resistiu(...)"

confissões - 1

Não sei bem quando as coisas começam nem quando elas terminam
por vezes se arrastam de maneira tão ridícula que parecem nada
por outras se descobre no tempo: atrás é onde ficaram
Algumas sensações marcantes sem explicações

Desatados e desconexos todos os trechos
Lendo o tempo da vida, interpretando a morte.
A violência pode ser tão passiva
e agredir sem perceber

Mas quando se percebe, dói
e se já foi embora e não tem volta
...dói.

Ficar se enganando, não ficar arrependido
por ter sido uma mentira de revolta
é mentir mais uma vez

Andar pra trás é tão difícil que quando vem a onda do destino
com toda a força a empurrar
o mais fácil parece lutar com a correnteza
e se afogar

As coisas submergem, se perdem, se desconectam
E eu afundo na definitiva lamúria
de que sou o que sou
e estou onde estou

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Um sonho triste

Beijando um poste na beira do mar
na esquina entre poços de lama
correndo luzes dos carros, a vastidão que engana
alguns solitários e amantes tortuantes
Em tosses malditas de vozes a par

Em pares de tudo: Dois!
A pares da toda que eu pensava
sentia o cheiro e a boca mordia
pelos meus braços ela me invadia
E os meus olhos em seu rosto deitavam

Olhando em volta não havia mais nada
nem luz, nem carro, nem poste
era minha mentira que me enganava
eu mesmo cúmplice da própria mente desvairada

Eu sou assim
como um sonho triste
que vive pouco pra poder se lamentar

domingo, 1 de junho de 2008

Como em um filme brasileiro

Como em um filme brasileiro

Apenas uma luz laranja no fim do corredor
O sofá luxuoso e a seda do seu vestido
Apareciam como uma sombra
Enquanto o bico dos seus seios se erguem em direção ao espelho do teto

Deitada como numa nuvem, perdida entre a própria sedução
e um vento livre de perdão
Que se dirige à ela como um leão à uma loba
E escurraça a sensualidade com maldito tesão

A cueca já estava perdida pela casa
Atirada pelo chão
Era apenas um princípe do mato
e aquele seu roupão...

Ao que toca a campainha...
Chega o entregador
A pizza em cima da mesa, e quando ele se volta, a porta ainda está aberta...

Alguém entra, um barulho, um grito!
Sai correndo aquele estranho
Levando o dinheiro da pizza e da entrega

Sangue naquele ilustre corredor
que há pouco era todo resplendor...

Agora ele tinha uma pizza e um corpo frio


Mas não precisava mais pagar a puta

domingo, 11 de maio de 2008

Eu não...

Tomados pela alegria
pelo fervor da variedade
todas as cores são visadas
como simbolizando a simpatia

Mas eu não!
eu fico no escuro
tremendo de frio...
enquanto os outros adoçam o paladar
com um amarelo chocolate a sujar
a boca, os dentes
enchendo um estômago vazio

Mas eu fico cheio de baratas
que me alimentam a cada dia
sem nenhum glamour ou rouxeza
o azul não me toca e o vermelho me assusta
reduzo o gosto às minhas cinzas

Cinza não verde, no máximo marrom!
da cor do barro que me agarro
e esfrego em todo corpo.

Porque ao contrário dos sorrisos faceiros
dos laranjas caranguejeiros
que se abraçam e se amassam

Eu fujo! e me toco num rio
tão sujo que entro pelado
e saio vestido
de tão poluído meu corpo
se esconde em qualquer resto do podre

Se as borboletas são avistadas
e olha para lá, uma criança
maravilhada!
Maravilhoso para mim é enxergar
as moscas buscando o meu nariz

E os ratos comendo os restos
que eu ainda não comi
brigo com eles por comida
e penso ainda que meu inimigo
pode ser um alimento sadio

Saia para rua, pule
Alegria! alegria!
Mas eu não...

Porque eu sou podre
eu sou sujo, eu sou imoral
pior que qualquer animal
pensar e não agir
é melhor que fazer o mal...mal?...mal!

mal sabes que enquanto teu sabonete
te perfurma
e a tua maquiagem
te embeleza
teus exercícios, caminhadas, academia
te saúda e te define
Que teu prato de comida
de porcelana
e a comida bem cozida
te alimenta e te apraz
com o prazer que nem sabes mais
aonde mais te satisfaz

Enquanto isso...
Eu não!

Pois quando assas o teu peixe
eu cato insetos na lagoa
quando caminhas para malhar
eu ando apenas pra suar

e todo o teu cheiro de sabonete
eu retribuo...

Enquanto tu tomas banho
eu me atiro numa sanga!

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Um breve conto...

O desabafo do mercantilista

Barulho agradável de chuva, e quando me acordo entendo que o barco está parado. Agora em terra, o que devo fazer é carregar todas as coisas que têm valor e vender pelo que não vale. Levantar, estender diante de mim mesmo, e com força carregar, falar, caminhar e em resumo, trabalhar. Mas ainda deitado num isolado quadrado do navio (junto com dois ratos que teimavam em me perseguir) não conseguia levantar do toco de madeira com lençol que usei como cama durante toda a viagem. Não que fosse pelo conforto da minha cama, nem pelo agradável do ambiente do meu próprio lugar no barco (eu era um dos únicos que tinha um 'quarto' em separado), pois os dois ratos voltavam para incomodar. Tampouco pelo cansaço, pois apesar que o barco tenha balançado mais que o comum esta noite, o ópio de ontem garantiu-me um bom sono. Era aquela própria chuva, a mais singela, que me congelava, não pelo frio, mas pela sua forte capacidade nostálgica.

Todo aquele marasmo não era esperado. Deveríamos chegar com sol, ver gente que vive em cima da terra, fazer negócios e ganhar abraços, apertos de mão, assinar contratos. Mas a chuva era um breve hiato no tempo. E são esses breves hiatos no tempo que me trazem a saudade, enclausurada em mim mesmo, de todos os hiatos que o tempo já teve.

Um hiato em mim que agora se desdobra em lembranças, e nem faz mais diferença aonde estou. Uma tristeza instantânea me arrebata e me pergunta como eu estou. Inevitável remontar o passado.

Lembrei de alguns pontos da minha infância, e de toda a saudade que sentia de poder pular sem medo algum de me quebrar, e me sentir tão livre mesmo sem nada a poder fazer. Mas como as coisas se transformam, o próprio sentimento puro dessa infância já morreu, sobram apenas resquícios na memória, e pra poderem sobreviver, eu preciso reconstruir. Lá vai a imaginação, e eu tentando pensar quem eu era, pra me sentir no que sou. Fatos não são tão fatos assim, e me recordo que o importante não tem origem nem fim.

Às vezes parece que lembrar é se perder no tempo, mas o que me remete ao tempo é justamente o que não se pode explicar, nem dizer. Não foi numa noite estrelada ou num dia de sol que o que me fere aconteceu. É a essência que precede a existência, e que num momento cria um vão, que desliga as duas, como se ser fosse se contemplar no que não-é em si, mas no que há em mim. Desde criança, lembro de já ter algo montado na mente, uma imagem que não se aparecia nem se escondia, que eu não podia ver mas sabia o que era. Por vezes, durante mesmo uma respiração, sentia sua falta, me perguntava se existia aquela essência que se escondia em mim. Não era eu. E isso eu sempre sabia, não era eu...

Na hora que a gente foge de tudo isso, e atinge essa conexão que há em si com esse mistério de uma brisa sem fim, ao mesmo tempo se exige a desconexão do que sou e do que me rodeia. As coisas mais abstratas mesmo, acabam sendo só aparência, a aparência sequer tem um lugar de realeza, e o que é real é que não se vê, não se toca, não se explica, não se entende, e que ainda tudo, o que eu não sou, mas sei que tenho.

Lutava sempre na adolescência pra tentar me auto-domar, um dono de si mesmo. Olhava em volta todas as pessoas se construindo a partir de obrigações sociais, fazendo justamente como a explicação que teriam que dar depois. Um azar na família me deixava sozinho e ao mesmo tempo, querendo fugir de qualquer companhia. A peste irlandesa matou papai e mamãe, e quando jovem só havia meu tio, que de tão bêbado, já mendigava e exigia de mim. Mas nunca pensei em trocar minha humanidade por uma profissão, nem mesmo de me transformar em um ator dos fingidos sorrisos da rua, dos abraços que se dão pela gratidão de esperar que num futuro possa mais alguma coisa ganhar. Meu principal e único objetivo sempre foi lutar comigo mesmo pra nunca precisar de ninguém, poder sozinho me virar e se fosse o caso a própria fome e sede enfrentar. Mas depender de alguém era como uma forma de submissão, de servidão. Do mesmo jeito admitir abandonar a mim mesmo em troca de falsos sorrisos, e abraços em troca de vinho e pão, é demasiada escravidão.

Em volta o que eu enxergava era o Johnnes estudando para ser doutor, e o Fichnter trabalhando todos os dias com seu pai, para na cidade um dia ser conhecido como dono do maior armazém. Amélia se pintava e saía à janela, sempre a espreita. Ela queria ser a maior dama da região, casada com o mais rico e bem dotado do lugar. Afinal... o que podem os outros pensar? Johnnes, amigo de infância, já ao fim da adolescência me dizia: "antes eu era apenas alguém que andava maltrapilho por aí, mas hoje as pessoas me dão importância, não sou mais o mesmo, hoje sou quase médico, e posso levantar a cabeça por orgulho de como eu me constituí". Estranhamente eu me sentia humilhado por toda essa representação. Que me respeitassem pelo que sou, não pelo que finjo ser! Johnnes acreditava ter se tornado outra pessoa, mas no momento que viveu para provar aos outros que podia ser alguém, abandonou o que era pra não ser ninguém. Carcaça oca não tem cheiro.

Algum ódio me afastava de todas as representações sociais. As pessoas estavam tão encarnadas naquilo, de viver pelo próprio teatro de representar a todos os outros o que deles podem pensar, que deixavam de ser entes reais. Apenas fantoches controlados por um vazio contaminado de medo e solidão. Mas apesar disso sentia uma certa tristeza, pois ainda que acreditasse que podia manter-me em constante solipsismo e agarrar minhas forças no mais íntimo do meu ser, sentia falta de consentimentos sinceros e conselhos espertos. Tão afastado que estava que então resolvi: Vou ao mar, buscar o que eu sempre quis!

Foi então que virei marinheiro. Mas não! Sem nenhuma pretensão de ser o capitão, nem de ser o mais corajoso, o melhor pescador ou o maior desbravador. Nenhum lugar me pertencia, mas uma brisa no âmago do meu ser me movia, mas não podia entender porque.

Até que um dia, durante uma cerimônia numa cidade distante, por conta dos negócios entre os pimenteiros, um sentimento estranho me ocorreu. Bebia com as autoridades do feudo da pimenta, junto com meu capitão e meus colegas do navio. E então aparece! aquela brisa misteriosa que havia dentro de mim aparece! Seus olhos brilhavam um doce lacrimejar, mas seu sorriso não deixava da sua alegria duvidar. Era como se tudo tivesse invertido, e eu agora nada podia pensar, nem sentir, nem imaginar. Eu virava vento puro, ao me diluir nela. Seu nome era Neurisá di le Monsuet.

Tivemos o prazer de conversar e durante uma dança constatei que aqueles olhos eram meus. Ela era dama de dotes burgueses, e seu status na região era o da moça mais linda da família mais poderosa da região da pimenta. Como eu estava bem vestido, ela mesma deduziu que pudesse ser alguém de status semelhante, com costumes semelhantes, e que já nos amando, seria fácil conviver e se entender.

Por alguns anos visitava a dama le Monsuet sempre que podia, pois seguido eu ia a negócios à região da pimenta. A pimenta estava então vendendo bem, e todos que podiam na Irlanda compravam esta que era considerada a melhor pimenta do mundo. Até que um dia Monsuet, já com uma imagem formada de mim (que ela mesmo montou, com o quase-pouco que lhe contei) me pressionou: e o casamento, e nos juntar e viver felizes? Quero conhecer os seus pais, e você já faz negócio com os meus, só precisamos contar. Foi aí que eu decidi então contar o que eu era: eterno lobo perdido numa rede de fingimentos. Tal qual os outros, eu pensava que ela também era apenas mais uma atriz. As mulheres são más, os homens são maus. Mulheres nos fazem sofrer por amor, e os homens por poder. Que eu não podia fazer parte de todo o teatro, e assim, meu destino era até o fim ficar sozinho.

Acordei então deste hiato no tempo, e me apaga rápido a lembrança, com o resquício de vertigem batendo no meu peito. Me levanto, e logo vou carregando a mercadoria. Pra sempre um lobo do mar...

Menti um dia que nunca ia amar ninguém, porque nunca me abandonaria para virar um boneco teatral. Mas neguei a minha brisa mais íntima, a essência mais pura que segue sempre além do tempo, e no momento que o fiz, esqueci de mim, e virei mais um personagem no teatro da tensa vida de fingimento.

Dizer que não se ama ninguém é tão imenso que amar eternamente em silêncio. Mas é impossível deixar de contemplar dentro de si mesmo aquela eterna brisa, que mesmo viva, no real se torna impossível de aparecer e acontecer. Tento me conformar, e ser lúcido na aparência e lúdico no pensar. Viver é se esquecer. Amar é ser. Morrer por isso vale tanto quanto viver tentando dizer o que só pode ser silêncio. Arder é o pressuposto de ser feliz.


Levei todas as caixas para o depósito, apertei a mão do capitão, e depois de meses voltei para casa, com apenas uma certeza: Há Mar!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

O sapato

O sapato


Somente mais um sapato
em meio a todas as roupas
um sapato novo ainda
e que nunca vestiu um pé

Ficava ali esperando
perdido entre meias e trapos
e nele faltavam pedaços de nada
e ainda assim alguma coisa lhe falta

Uma opaca cor cintilante
chama a atenção pela discrição
devagar em movimentos parados
rápido na locomoção que o leva a lugar nenhum

O vento passa e não toca seus cadarços
a água passa e não molha seu solado
apenas silêncio e solidão
pois não percebe sons, nem companhias

Afinal, ele é apenas um sapato
Mas um sapato sem par...

O Mar

Sentindo muito por nunca estar ali
perdido sem musa de inspiração
guardado pela solidão
mantido guardado, sem brilho

Ela não está aqui, está com outra companhia
e a minha companhia, sempre a mesma
solidão, e ela na minha cabeça!

Na cabeça, dois tiros, sem sangue
um por saber, que nunca tive
outro, por nunca ter

o semblante vezes alegre que levo comigo
esconde a dor que estoura por dentro
bomba, estrela e mar
dentro, fora, e eu dentro do que está por fora

pensando, sem mais conseguir respirar
deixando ser levado, sem estar desesperado
chegando o que sempre foi esperado
afogado, afogado, afogado!

Teatro Vivo

Teatro Vivo

O palco está montado
e os atores amontoados
aos montes de botas desbotadas
enquanto os desbotados desabotoam apé
as lonas do espetáculo marcado

As cenas iluminam os tempos
para ver de perto em segredo
o falso riso do biscateiro
e a vil nuance da madame dos cervejeiros

E o que dizer de um romance em brigadeiro
Tímidos brigadeiros brigam pelos pedaços dos cervejeiros
e sorriem a todo instante uma nova peça do chiqueiro:
Porcos levando porquinhas por dinheiro
por automóvel garageiro

Mas nas ruas se entrelaçam os espelhos
e no escuro já se sabe o que se vê
a mesma cena ameaça um destino
de reflexos tingidos, do plástico ao carnaval
é tudo sempre igual

E quem assiste o dia inteiro, sempre dorme mal
é chamado a participar do mesmo jogo
a mesma cena
no teatro vivo do celeiro universal
asfalto, cimento, telhado e tecido
Volvem o volvir de se estar perdido

Preso entre pedras e moscas
que voam ligeiro pelos estrumes
perdendo os pedrendos que se mascam
pelas moscas em torno do lixeiro

E então, se atira na bosta dizendo
falando... sobre o troféu da esquisitisse
que o normal é o que ele vê
no teatro marcado por bonecos espelhados
que se dizem bem malhados.

Mas na muralha do próprio corpo
Ninguém é nada.
O teatro vivo se anima
com uma boneca mascarada!

E o último palhaço sorri
no espaço eterno
do seu desaparecimento...


Poema de ser que não é mais

Poema de ser que não é mais

voltando no tempo, pra destruir e reconstruir...
As imagens foram todas pintadas com riscos que por acaso ali se raspavam
e de tantos acasos, tentar entender acaba sendo destruir, tentar juntar é separar, pois cada parte é uma coisa, e toda coisa são as partes, que em mim, desligadas entre si não são mais nada...

que apesar de tudo, tentando pegar cada pedacinho, esqueci do que tinha por inteiro
mas não podia vê-lo, pois quando ser-lo não pode parar, é sempre a eterna reconstrução dos riscos, que por acaso, raspam por aqui...

Se algum risco um dia pôde ser percebido
e pela sua delicada sutileza pôde ser apreciado como beleza
de tanto contemplar, maltrata a verdade
de que tudo isso vai se transformar.

um risco belo um outro feio vai sobrepor
sobrepondo tudo em mim, enquanto o tempo passa
e eu continuo parado, no mesmo lugar, tentando encontrar aqueles mesmos rabiscos leves e sinceros

tão sinceros que não existem mais...

Poesias inspiradas nos dias frios do meu quarto

O SONO


Um brinde à todos os refugiados
que fugindo dos próprios laços
dão nós nos próprios braços
se afogando em todos os copos

Livres para correr, beber ou morrer
mortos para viver tão perto de si
demasiado tarde para esquecer
mas ainda cedo para se perder

Enquanto luzes no escuro
tão longe, onde eu posso ver
o quanto valem os detalhes na escuridão

mesmo se emaranhando...
amarrado!esborrachado!
tecido em um frasco;
de solidão...

Ainda posso dormir.
e contemplar o silêncio
entre murmúrios
...de vazia sensação